Informação retirada do livro: "A Troika e os 40 Ladrões" de Santiago Camacho
A situação económica que estamos a viver, e a sofrer actualmente, tem origens que remontam no tempo muito para além da crise actual. Tudo começou há muito tempo, com os acordos de Bretton Woods, que são as resoluções da Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas.
A reunião decorreu num ambiente paradisíaco, no exclusivo complexo hoteleiro Bretton Woods, em New Hampshire, entre 1 e 22 de julho de 1944.
O propósito da reunião de Bretton Woods era pôr fim às políticas de proteccionismo que caracterizaram o período que se iniciara em 1914 com a 1ª Guerra Mundial.
Considerava-se que para se chegar a paz e à prosperidade das nações era necessário implementar uma política livre-cambista.Foi ali que se estabeleceram as novas regras para as relações comerciais e financeiras mundiais, regras que, actualmente, ainda estão em vigor e são em grande medida a origem dos problemas actuais.
Entre outras medidas, em Bretton Woods foi decidida a criação das suas instituições: Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Também se estabeleceu o uso do dólar como moeda de troca nas transacções financeiras internacionais. Ambas as organizações começaram a funcionar em pleno em 1946.
A 2ª Guerra Mundial estava prestes a terminar e a clara hegemonia norte-americana depois da grande guerra traduziu-se num reordenamento financeiro internacional sob a batuta da emergente nova potência internacional, os Estados Unidos da América.
Foram eles que convocaram a reunião, para que no novo mapa que nascia do conflito não apenas se reflectisse no aspecto político e militar, mas também económico. Além disso, foi criado um código de conduta para as políticas económicas dos países com problemas de balança de pagamentos e foram institucionalizadas várias modalidades de empréstimo e mediação financeira entre os organismos criados.
Na reunião participaram apenas 44 países, realmente poucos, mas naquela época a maior parte dos países do Terceiro Mundo ainda eram colónias, muitos outros nem sequer tinham sido aceites nas Nações Unidas, e as potências derrotadas na Segunda Guerra Mundial não tinam, logicamente, voz nem voto de nenhum tipo e tinham de se conformar com o destino que os vencedores estavam a preparar para elas.
Tal como foi originalmente concebido em Bretton Woods, o FMI pretendia ser um organismo supracional, essencialmente dedicado a duas coisas: regular as taxas de câmbio das moedas entre os países-membros, e assegurar a estabilidade internacional através de empréstimos em tempos de crise.
Actualmente, as políticas do FMI afectam directamente as economias de 185 países. A sua influência é enorme e, muitas vezes, desastrosa. De facto, o Fundo é, provavelmente, a instituição não- governamental mais poderosa do Mundo, e não isenta de polémica.
Milhares de trabalhadores e estudantes manifestam-se quase diariamente contra o FMI, em muitos casos arriscando ou sacrificando as suas próprias vidas.
à primeira vista, parece uma reacção desproporcionada contra uma instituição que apenas oferece empréstimos a curto prazo aos países-membros que se encontram em situações de crise na sua balança de pagamentos. Contudo, o FMI é muito mais que isso. No início, segundo o acordo de Bretton Woods, as condições para os empréstimos do FMI aos países-membros consistiam simplesmente em oferecer «um programa eficaz para o estabelecimento ou manutenção da estabilidade da moeda». Com o passar do tempo, estas condições limitadas converteram-se em algo com muito mais alcance, chegando a regular de facto as políticas económicas do país solicitante.
Os governos que querem realmente ajuda (e quando recorrem ao FMI já estão desesperados), ficam obrigados adoptar um conjunto de políticas económicas e medidas fiscais baseadas no que o FMI pensa que irá promover a estabilidade económica, mas que, por acaso, acontece muito raramente.
Um exame crítico do que aconteceu até hoje sugere que o pagamento destes empréstimos produz-se à custa da economia do país devedor, recaindo, em especial , sobre os mais desfavorecidos.
As políticas sugeridas pelo FMI requerem quase sempre a redução ou eliminação de tarifas alfandegárias e barreiras às importações, o que tem como consequência directa o desaparecimento de milhares de postos de trabalho. Ao mesmo tempo, nesses mesmos países em que o desemprego começa a aumentar, impõem-se severos programas de austeridade que fazem cortes nos serviços sociais e públicos e eliminam as subvenções estatais que, entre outras coisas, mantêm os preços de alimentos baixos. Dito de forma resumida e fácil de compreender por todos, primeiro aumenta-se o número de pobres para logo a seguir se piorarem as condições em que estas pessoas têm de sobreviver. Desta forma, as pessoas com menos recursos económicos vêem-se obrigadas a pagar os empréstimos aos governos cujas políticas anteriores haviam sido consideradas erróneas pelos economistas do FMI e, em consequência, corrigidas com mão de ferro.
Com este panorama, não é de estranhar que os empréstimos do FMI se convertam então num foco de tensão que polariza as lutas sociais em muitas partes do Mundo. O caminho que levou aqui foi longo e complicado.. Ainda que pareça mentira, antes de se converter na entidade toda-poderosa que é actualmente, o Fundo teve uma época em que foi considerado como uma revolução para o Mundo, o que abriria a porta a uma nova era de prosperidade sem limites. Inclusivamente, até há pouco tempo, teve uma época em que foi considerada uma instituição supérflua em vias de extinção. Contudo, tudo isso mudou.
Fundado em 1955, o FMI começou a operar em 1947. Supõe-se que seja a principal instituição supracional que regula as finanças dos Estados. O seu ideário enquadra-se numa visão capitalista liberal clássica de como devem funcionar as economias.
Em teoria, o FMI enquadra-se na estrutura das Nações Unidas. É a instituição central do sistema monetário internacional, controlando as políticas económicas dos países-membros e actuando como um fundo de reserva que pode ser utilizado pelos países que necessitam de financiamento temporário para fazer frente aos seus problemas de balança de pagamentos.
O Fundo centra-se principalmente nas políticas macroeconómicas dos governos: os orçamentos do estado, a gestão do dinheiro, o crédito, o tipo de cambio e as políticas financeiras, incluindo a regulação e supervisão dos bancos e outras instituições financeiras.
O Conselho Executivo reúne-se três vezes por semana na sede do fundo em Washington.
Os cinco principais accionistas do FMI (EUA, Japão, Alemanha, França e Reino unido), juntamente com a China, a Rússia e a Arábia Saudita, têm o seu assento permanente no Conselho. Ou seja, a representação deste órgão inclina-se a favor dos países credores.
Dos 24 assentos disponíveis estão actualmente ocupados por países em desenvolvimento, ainda que colectivamente, pela ponderação de votos, apenas contem com 2,6% do poder decisório do órgão. Aqui não funciona «um homem, um voto», ou neste caso, «um país, um voto». Cada país tem um poder de voto estabelecido dentro do organismo, que é calculado dependendo do tamanho da sua economia (PIB), as suas reservas internacionais e outras variáveis económicas. As decisões devem ser tomadas com uma maioria de 70%, ainda que algumas decisões particularmente delicadas sejam tomadas com uma maioria de 85%.
Uma vez que os EUA possuem 16,47% dos votos, o sistema outorga-lhe praticamente o poder de veto sobre estas decisões, uma vez que os restantes países não chegam a 85%.
No total existem 24 directores-executivos eleitos entre os países membros do Fundo. Apenas os EUA, o Japão, a Alemanha, a França e o Reino Unido podem eleger um director sem a ajuda de nenhum país.
Graças à sua influência, a China, a Arábia saudita e a Rússia elegem um director cada uma. Os restantes 16 directores são eleitos por blocos de países. cada director tem um direito de voto que pode ir desde os 16,47% dos EUA aos 1,34% que os 24 países africanos juntos conseguiram a grande custo. Sem comentários!
A maior parte das decisões são tomadas por consenso. Quando não se consegue o consenso, uma simples maioria de votos resolve rapidamente a questão graças ao esmagador domínio dos países credores. Documentos e informações sobre as deliberações, sobre as deliberações do Conselho são preparados por pessoal do FMI, às vezes em colaboração com o pessoal do Banco Mundial. Até há pouco tempo, a organização tinha cerca de 2800 empregados contratados procedentes de 133 países, 2/3 do pessoal são economistas. A maioria trabalha em Washington, com a notável excepção de cerca de 80 representantes residentes, que vivem nos países-membros, de onde assessoram os governos sobre a política económica.
Os recursos financeiros do FMI procedem sobretudo das contribuições que os países pagam quando se juntam à organização ou depois das revisões periódicas, quando as quotas são aumentadas. O dinheiro total procedente das quotas determina o montante da contribuição de um país, o seu poder de voto, e o montante de financiamento que pode receber do Fundo. Desde janeiro de 2009 de 1999, as quotas do FMI totalizaram 290 mil milhões de dólares, ainda que o FMI tenha uma reserva adicional de 46 mil milhões para situações de emergência.
Os países, de uma maneira geral, pedem ajuda ao FMI quando têm problemas na balança de pagamentos, ou seja, não têm moeda estrangeira suficiente para pagar as importações, algo bastante importante, uma vez que algumas importações são vitais para as economias, e é uma circunstância que geralmente costuma ir acompanhada de outros sinais económicos de crise, como a moeda nacional estar sob ataque dos mercados de divisas, as reservas se estejam a esgotar ou que a economia esteja debilitada.
A ajuda é prestada sob diversas condições, que consistem na implantação de políticas que o governo tem de pôr em práctica para convencer o FMI de que será capaz de devolver o empréstimo num período de tempo entre 1 a 5 anos.
Estas medidas de controlo constituem o contexto em que o Fundo assegura garantias de solvência em relação ao dinheiro que empresta. Com o passar do tempo, produziu-se um número de condições estabelecidas, abarcando temas como o emprego público, a privatização e reforma das empresas públicas, a política comercial, preços, segurança social e outras como a liberalização do comércio e os preços ou a reorganização do mercado de trabalho.
A controrvérsia nos países que são afectados por estas medidas costuma ser enorme.
Actualmente, todos os devedores do FMI são países em desenvolvimento, pós-comunistas, mercados emergentes ou países que recuperam de crises financeiras. Contudo, o Fundo, ao longo do tempo, foi adquirindo má fama justificada que levou a que muitos países prefiram procurar financiamento por outras vias em vez de pedir emprestado ao FMI, que se converte, quase sempre, em último recurso.
Apesar do que diz a propaganda, o FMI não é uma agência de ajuda ou um banco para o desenvolvimento. O FMI espera que os devedores dêem prioridade ao pagamento pontual das suas dívidas para a instituição utilizando diversos procedimentos para impedir a acumulação de atrasos. Na maioria dos casos, o FMI proporciona apenas uma pequena parte das necessidades de financiamento.
Ao ingressar no FMI, os diversos países declinaram alguns dos seus direitos de soberania económica, sobretudo na forma como fixavam os seus tipos de câmbio, em contrapartida de condições colectivas de estabilidade cambiária, evitando desvalorizações de moeda competitivas.
A partir de 1977, o papel do FMI deixou efectivamente de ser um meio de controlo de tipos de câmbio , principalmente entre os países industrializados, para se tornar um meio de controlo do 1º Mundo sobre a política económica do 3º Mundo.
Exemplos de intervenção externa desastrosa:
Depois de subir a um ritmo de 12% ao ano na década de 1970, os preços baixaram drasticamente na década de 1980, dando lugar a uma situação catastrófica para os países que dependiam da exportação de matérias-primas. Em 1982, a dívida total dos países do 3º Mundo encontrava-se nos 600 mil milhões de dólares.
Entre 1977 e 1981, o México teve taxas de crescimento económico de mais de 8% ao ano. Contudo, as taxas de juro internacionais estavam a subir, e o México começou a ter cada vez mais dificuldades em obter novos empréstimos. Em meados de 1982, as entradas de capital no país tinham praticamente cessado. O FMI aprovou um empréstimo, com a condição de terem de aceitar os programas de ajuste estrutural que a instituição havia elaborado para o México.
A partir de 1982, o FMI emprestou maciçamente ao México, com duas condições:
1)Utilizar o dinheiro para reembolsar os bancos privados.
2)Aplicar uma política de ajuste estrutural (redução de despesas sociais e de infraestruturas, um programa de privatizações, aumento dos tipos de juros, aumento de impostos directos...).
A partir de 1982, o povo mexicano arruinava-se em benefício dos diferentes credores. De facto, o FMI e o Banco Mundial souberam ser reembolsados até ao último cêntimo do que haviam emprestado ao México para pagar aos bancos privados. O país encontrava-se submetido inexoravelmente à lógica do ajuste estrutural. Num primeiro momento, o tratamento de choque imposto em 1982 produziu uma forte recessão, perdas maciças de empregos e uma enorme perda do poder de compra. depois, as medias estruturais traduziram-se na privatização de centenas de empresas públicas. A concentração da riqueza e de grande parte do património nas mãos de alguns grandes grupos industriais e financeiros mexicanos e estrangeiros foi colossal.
O Brasil foi protagonista seguinte da grande crise da dívida.
Como muitos países do 3º mundo, o Brasil endividou-se fortemente, especialmente com a construção de grandes projectos de infraestruturas energéticas e de transporte.
O FMI impôs ao Brasil um regime similar ao aplicado ao México: desvalorização da moeda, salários reais mais baixos, cortes nos subsídios do governo, e tudo isso teve como resultado uma enorme instabilidade económica e social. Em meados da década de 1980, 3/4 partes dos países da América latina e 2/3 dos países africanos estavam sob algum tipo de supervisão por parte do FMI e do Banco Mundial.
Para assegurar que os empréstimos seriam reembolsados, o FMI e a banca comercial desenvolveram uma difícil relação de apoio mútuo.
O FMI protegia os interesses dos bancos devedores em troca da sua contribuição com mais dinheiro para os empréstimos internacionais. No final, os cidadãos dos países devedores pagariam o preço em termos de desemprego, cortes nos serviços e preços mais altos para os bens de primeira necessidade.
Numa tentativa de assegurar o pagamento parcial, os bancos comerciais começaram a vender os empréstimos. os investidores privados começaram a especular sobre o valor das moedas e dos investimentos, desestabilizando ainda mais as economias que era suposto o FMI ter de estabilizar.