terça-feira, 25 de novembro de 2014

se isto é vida...



Não sei que nome dar a este post, sinceramente.
Acho que até evito falar de coisas pessoais, mas como sou uma pessoa mais recatada e não consigo falar tão bem directamente com pessoas, vou escrever para aliviar a minha dor e prestar uma homenagem a alguém.
Acho que posso dizer que ontem passei por uma das piores experiências da minha vida.
Um primo meu morreu domingo passado e ontem fui ao seu funeral...ele tinha 19 anos.
Nunca fomos chegados, entre outras razões, para além de vivermos longe, quando ele esteve no hospital não queriam que contactássemos com ele devido ao seu débil estado do sistema imunitário após o transplante, que em vez de ser a sua sorte, foi a sua sentença morte, pois acho que o corpo rejeitou o orgão e ele contraiu um cancro que se espalhou por todo o corpo.
O seu nome era Rafael, tinha apenas 19 anos e morreu de cancro após uma longa luta contra esta doença atroz.
Sou céptica em relação a uma infinidade de coisas, nomeadamente esotéricas: almas, reencarnações, vida após a morte, anjos, diabos, deuses, Deus.
No que diz respeito a Deus e deuses auto-nomeio-me ateia (ou pelo menos agnóstica, às vezes acho isto tão absurdo que a minha única explicação é Deus...), no entanto quando era criança acreditava Nele piamente, devido a indocrinação cristã por parte de família e aulas de catequese, nessa altura acreditava que Deus era tipo um amigo bom que me protegia de tudo e que protegia toda a gente, mas mal cresci senti que não havia nada disso, até hoje e temo para sempre.
Mas do que já notei, se Deus existe mesmo, parece ter uma predilecção interessante para destruir (ou pelo menos não ajudar) ou pôr à prova a vida de quem crê Nele...especialmente os bons, as boas pessoas. Porque será? quer os melhores para junto Dele mais cedo para os livrar do pecado deste mundo como disse o padre no funeral?
Só havia uma coisa em que eu até acreditava...eu acreditava no karma, acreditava que na vida tínhamos o que merecíamos e recebíamos de volta o que demos. Mas já não posso acreditar nisso...o Rafael era das pessoas mais inocentes e mais puras que já existiu, nunca fez mal a ninguém, nunca fez nada de mal na vida para merecer uma vida tão sofrível e injusta e uma morte tão prematura, cruel e ilógica.
Se o céu existir mesmo e se é esse o lugar para onde vão os bons, o Céu é de facto o lugar mais merecido para a sua alma porque ele foi um ser humano puro e bom sem maldade nenhuma no coração, com uma força de viver e lutar pela vida arrebatadora, com uma coragem incrível...um menino de 19 anos encarou a sua própria morte com uma lucidez, coragem e dignidade impressionante...ele já passou pelo dia que todos tememos, ele já passou pelo maior mistério que ensombra as nossas vidas: o nosso fim.
Então eu já não posso acreditar em karma, porque o Rafael merecia o contrário do que lhe aconteceu,  O Rafael merecia uma infância sem sobressaltos de saúde, o Rafael era um guerreiro que nunca desistiu da sua própria vida até ao final, O Rafael emrecia passar a sua adolescência na escola junto dos seus amigos a aprender e a jogar futebol...ele adorava futebol.
A minha última imagem dele vida, foi ligado a uma máquina, doseado de morfina a respirar profundamente num sono profundo....foi o seu último dia de vida, embora nesse dia eu estivesse longe de o saber.
Não quiseram que o acordássemos, já se tinha aceite que iria morrer durante o sono sem sobressaltos, e eu como não queria que me visse com as lágrimas a inundar os olhos vermelhos e a soluçar não me importei muito. Mas lamento, e de que forma, não ter visto pela última vez o seu olhar, o seu sorriso e ouvir a sua voz...a minha última imagem dele vai ficar gravada na minha memória para sempre, ele era o mais próximo que havia de um anjo.
Durante essa visita tentei esconder por todas as formas os meus soluços e as minhas lágrimas porque infelizmente temos vergonha de sermos humanos, como se fosse mau termos sentimentos e emoções.
Toda a gente tinha aceite o teu fim, mas eu antes de te ver e ouvir o que ouvi não conseguia acreditar.
No dia a seguir soube que morreste de manhã e nunca esperei chorar tanto por saber algo que já se esperava...quando se chora em primeiro lugar pelos dois olhos quer-se dizer que é frustração, e foi isso que senti. Não porque fomos próximos mas porque me sentia revoltada com o que te aconteceu, tu não merecias.
Disseram-me que perguntaste muitas vezes "porquê eu?mas porquê eu?", acho que não há razão nenhuma, porque se a vida fosse justa estarias vivo e bem agora.
A minha única ilação continua a ser de que a vida é uma merda,não adianta o quanto nos prendamos a ela, o quanto gostemos dela e o quanto gostemos de puder continuar a viver porque ela dá-nos para trás mais cedo ou mais tarde. Os positivistas dirão: "deixa estar, vai ficar bem, a vida continua", pois a deles...por enquanto, mas não de quem parte de maneira tão brutal e ilógica na flor da idade...discursos floridos de pseudo-positivismo de nada adiantam, do que adianta acreditar e lutar se a a paga é a morte gelada e cruel de um ser inocente na flor da idade que não fez nada de mal na vida a ninguém?dá que pensar...
No dia a seguir fui ao teu funeral e os meus pais compraram flores e um postal que eu tive de assinar a soluçar, o postal dizia: "Descansa em paz Rafael, com eterna saudade dos teus primos", para mim foi um murro no estômago, veio-me um nó à garganta e não consegui parar de soluçar por ter tomado naquele momento consciência de que já não existes...e eu nunca te enviei um postal de parabêns nem fui a uma festa de aniversário tua, éramos primos afastados e vivíamos longe mas isto destroçou-me.
Só quando entrei na igreja e vi o teu corpo deitado num caixão é que acreditei mesmo, parecia que estavas a dormir, e estavas.
Não me conti de novo quando à porta da igreja estava uma foto tua com uma cruz por baixo e na outra porta estava também a foto de uma velhota de 86 anos que morreu e cujo funeral era ao lado, eu senti revolta...revolta de uns viverem tanto e outros tão pouco...o teu lugar não era ali estendido, o teu lugar não era naquele caixão rodeado de corpos num cemitério soturno e silencioso...e quando te deixámos lá eu não pude deixar de pensar que tu devias era de voltar para casa com a tua mãe e irmã, vestir um pijama, ver desenhos animados, adormecer e acordar de manhã, tomar o pequeno almoço e ir para a escola.
Houve aquela sensação estranhíssima de sentir que nos esquecémos de alguém quando fomos embora do cemitério para continuar as nossas vidas patéticas.
O teu lugar não era ali, o teu destino não era morerr aos 19 anos num hospital...
Mas não tenho nada nem ninguém para culparr, a não ser a estupidez que é esta vida: não pedimos para nascer, não pedimos para morrer, a vida começa por nenhuma razão e acaba por nenhuma razão...parece que por mais que lutemos pela vida e gostemos dela, ela se desapega assim cruelmente de nós.
Eu sou uma revoltada com a vida, sempre senti que não pertenço aqui, que nunca devia de ter existido, mas também ninguém deveria, porque não faz sentido...nem pela explicação religiosa e muito menos pela vã eplicação científica...átomos que se agregam em formas de árvores, peixes, dinossauros que são extintos por um meteorito e cujos pequenos mamíferos evoluem para macacos e símios que dão origem a pessoas que se reproduzem ao longo de séculos...não faz sentido, porque não vejo propósito nisso, nem vejo milagre, nem vejo justiça num mundo em que animais se matam uns aos outros para sobreviver...o mundo provoca-me imensa dor porque não o entendo e ainda mais dor tenho por saber que nunca o vou entender...penso tantas vezes que mas valia vir outro asteróide desnorteado extinguir-nos, penso muitas vezes que mais valia esta bola rochosa que é a Terra estar mais afastada ou mais próxima do Sol de modo a ser tão inabitável como os outros...penso que esta bola não devia existir, penso que as outras bolas a que chamamos planetas também, nem este Sol nem os outros milhares de sóis...penso muitas vezes que seria mais feliz senão tivesse nascido nem sob a forma humana ou animal, e nem que apenas fosse algo material como um objecto...um dos meus desejos profundos era nunca ter existido, não é desejo de morrer como muitos pensam e dizem: "tu é que devias ter ido, só cá deviam estar os que gostam", como se isto fosse uma festa...
A minha dor é apenas o desejo de nunca ter nascido, porque olho para a vastidão do Universo e o tempo que vai levar para o nosso Sol morrer...milhares de anos...e nós com décadas de nada sem saber o que fazer com elas...só na vã busca da felicidade, na vã busca de sermos amados por uma vida que não quer nada connosco e que nos abandonará em breve. Provoca-me dor não entender apenas isso, posso dizer que sou uma pessoa deprimida porque sente demais e pensa demais, mas não desejo morrer, só tenho medo de viver e como sinto que tudo é inglório e sem sentido mesmo quando estou feliz, penso que preferia nunca ter feito parte do Universo...nem um grão de pó queria ser.
Por isso quando oiço dizer que "quem queria estar cá vai mas quem não quer fica", talvez haja um fundo de verdade nisso, mas ninguém manda em nada, nem na mente, nem no corpo, nem do tal chamado destino...
A única coisa que me parece realmente genuína neste mundo é a dor...muitas vezes sinto-me mal por me sentir bem, sinto-me mal por estar feliz porque penso em todas as pessoas que não o podem ser, sinto que se me sentir bem algo de mal acabará por acontecer, então prefiro estar triste para não me decepcionar depois, sou muito cautelosa em relação a sentir-me bem, sinto que é pecado ser-se tão feliz num mundo tão infeliz, num mundo tão parvo, sinto que de nada me vale tentar fazer grandes coisas da vida porque posso morrer de qualquer coisa a qualquer hora e sinceramente faço mais por viver a minha vida num nevoeiro porque prefiro morrer sem me ter apegado à vida do que ter gostado tanto de estar cá e ser ceifada...é um sentimento muito estranho e anti-natura mas sinto que não devo ser feliz, que ser-se feliz num mundo destes é criminoso que  ser-se feliz é ser-se egoísta e que fazer da própria felicidade um objectivo de vida é egoísta e estúpido...para além de irreal, a real felicidade não existe mesmo e para nos sentirmos bem é preciso sentir-se o oposto...só se sabe o que é a felicidade quando se passa pela infelicidade, e eu quando sou feliz sou-o em pleno, mas sei que ela passa, e a tristeza também, não somos máquinas com controlo da bioquímica neuronal, somos pessoas e sinceramente acho que a vida não devia de ser só para pessoas felizes e que estar mal e não querer sorrir e não fazer nada para nos querermos sentir bem devia de ser aceite...não sei até que ponto as pessoas que são drogadas por felicidade são fingidas ou só se auto iludem, mas uma coisa tenho a certeza que fingir-se estar-se bem quando não se está é cansativo e ainda mais deprimente e não acho que tem de haver nenhuma necessidade de à mínima tristeza entupir-mo-nos de anti-depressivos e fazermos logo o máximo que podemos para ficar bem de novo...eu acho a tristeza importante, e de facto ignorância é felicidade, sempre reparei que as pessoas mais felizes são as mais superficiais tanto em termos emocionais como racionais mesmo. Não quero ser assim!
Não consigo deixar de pensar em ti, dois anos acamado, traído pela própria biologia, traído pelo próprio corpo, querendo estar bem, querendo viver, mas o teu débil corpo sem te dar ouvidos...
Não consigo imaginar a agonia por que passaste...querer viver e estar bem e não conseguir, sem entender o porquê até ao teu último sopro.
Não merecias nada disto e eu choro compulsivamente porque tenho revolta deste mundo injusto.
Eu gostava que o mundo fosse justo e que ainda cá estivesses, é duro pensar que já não existes hoje quando existias há dois dias.
Quando acabou o funeral e saímos todos senti mesmo que nos tínhamos esquecido de alguém. Fiquei tão afectada com o teu fim trágico e abrupto que sonhei contigo, sonhei que quando nos despedimos no cemitério, alguém abriu a porta do jazigo e correu para nós, eras tu a gritar e a dizer: "Porque se esqueceram de mim aqui?Quero ir para casa, não me deixem aqui sozinho!".


Descansa em paz Rafael.Até sempre!

domingo, 21 de setembro de 2014

Impacto Zero

(Livro: Impacto Zero: as aventuras de um cidadão comum que tenta salvar o planeta e aprende muito sobre si próprio e o nosso estilo de vida, de Colin Beaven)

Estamos em Janeiro de 2006 mas estão 17 graus lá fora (Nova Iorque), mas as pessoas andam a correr de calções. As pessoas à minha volta estão felizes, mas eu não estou. Pelo contrário, estou preocupado. Porém, o que realmente me deixava desolado, era não conseguir acreditar que o modo de vida que estava invariavelmente a destruir o planeta até nos deixava felizes. Uma coisa seria acordarmos na manhã seguinte a uma festa de arromba e constatarmos que tínhamos destruído a casa, mas ao menos podíamos dizer que nos divertíramos à brava. No entanto, se tivesse de generalizar, teria de dizer que, em média 6,5 milhões de pessoas que partilham este globo não são tão felizes como poderiam ser. Sem contar com as pessoas que têm acesso extremamente reduzido a alimentos e a água potável, muitas pessoas minhas conhecidas, em Nova Iorque e noutros cantos deste mundo de cultura consumista, não estavam felizes com as vidas pelas quais tinham lutado - as vidas que, supostamente, desejavam. Para além de muitos de nós esgotarmos anos a trabalhar para manter um estilo de vida que, na realidade, não gostamos estamos a começar a compreender (espero), que este mesmo modo de vida está a destruir o planeta.
Seria possível ter uma vida amiga do ambiente na nossa cultura moderna? O meu objectivo era ir o mais longe possível e tentar ao máximo não ter qualquer impacto sobre o ambiente. O meu fito era conseguir zero emissões de carbono, é verdade, mas também zero resíduos para o solo, zero poluição atmosférica, gastar zero recursos da terra, expelir zero toxinas para a água.
O egocentrismo versus altruísmo enquadra o debate sobre o ambiente, ou qualquer outro tipo de mudança social, de uma forma perigosa. Há quem defenda, e talvez com razão, que se opusermos a sobrevivência do planeta ao egoísmo humano, o planeta será sempre derrotado.
Entretanto, todo o modo de actuar da nossa civilização continua inexoravelmente a esgotar todos os recursos. O nosso sistema torna praticamente impossível conseguirmos as coisas que desejamos e de que necessitamos sem deixarmos atrás de nós um rasto de detritos e gases de efeito de estufa.

*Urge reduzir as emissões de gases com efeito de estufa em pelo menos 80% até 2050 para impedirmos que o aquecimento global escape totalmente ao controlo. Ao invés de agirem, empresas como a Exxon recorrem a dissimuladas tácticas de relações públicas para desacreditarem as organizações que tentam alertar-nos. Entretanto, os políticos tentam «reposicionar o aquecimento global como uma teoria, ao invés de um facto».

*Um veleiro que zarpasse do Havai, rapidamente ficaria encalhado num gigantesco amontoado de resíduos plásticos flutuantes como dobro do tamanho dos Estados Unidos da América, redemoinhando sobre si mesmo em pleno Oceano Pacífico. Ou então, quem fosse pescar correria sérios riscos de regressar de mãos a abanaar de um dos 14 000 lagos do Canadá que já não suportam vida marinha, por causa da chuva ácida. Ou ainda, quem tentasse dar um passeio pelas florestas na esperança de avistar aves, encontraraia em vez disso um enorme buldôzer amarelo nos 13 milhões de hecatres de bosque que abatemos por todo o mundo, todos os anos, para produzir papel higiénicos e copos de papel descartáveis.

*Só serão necessárias cerca de 13 fraldas de pano para criar uma criança, se lavarmos duas vezes por semana. Por outro lado, a mesma criança, ao chegar aos 2 anos, teria gasto 4000 fraldas de plástico. Como é que bombear petróleo dos campos do Médio Oriente, expedi-lo para unidades fabris, digamos, na China para fabricar as fraldas de plástico, expedi-las para os EUA e depois enterrar essas 4000 fraldas cheias de trampa, não é pior que lavar 30 pedaços de pano 104 vezes?

*O lixo produzido pela minha família, constituído por embalagens de plástico descartáveis, faz parte de uma portentosa mixórdia social impregnada de molho de alho, hidratos de carbono bolorentos e outras substâncias petroquímicas que, ao fim de uns 20 minutos de utilização, acabarão em aterros sanitários e incineradores, para libertarem químicos para as águas que bebemos ou para o ar que respiramos.

*Há uma explicação para os sacos do lixo não serem transparentes e não permitirem ver o conteúdo. É o mesmo motivo por que eu e a minha espécie guardamos os restos mortais em urnas fechadas. Receamos aquilo que os nossos olhos possam ver. Agora que já pus o lixo no caixote, agora que o lixo já não está em minha casa, deixou de ser um problema na primeira pessoa. Passou a ser um problema de todos nós. Em conjunto, prejudicaremos os pulmões ao inalarmos as partículas diesel emitidas pelos camiões americanos ao viajarem literalmente milhões de km para transportarem o nosso desperdício. Em conjunto, partilharemos maiores probabilidades de cancro ao respirarmos as dioxinas produzidas pelos incineradores. Compreenderão que, agora que me livrei dos meus produtos descartáveis, a minha comodidade tornou-se um incómodo para toda a humanidade.
Cerca de 80% dos produtos que utilizamos destinam-se a ser utilizados uma só vez. Por muito trivial que um toalhete de papel possa parecer, deixa transparecer inúmeras escolhas individuais e culturais que adoptamos no quotidiano e por via dos quais estamos a esgotar os recursos do planeta e a mandá-los para aterros sanitários e incineradores, praticamente sem os utilizarmos.

*Na floresta tropical da Amazónia, abatemos cerca de 9 campos de futebol de árvores a cada minuto, isto equivale a 2000 árvores por minuto!

*Segundo o Worldwatch Institute, todos os anos, acumulamos entre 4 a 5 mil milhões de sacos de plástico que são utilizados apenas durante apenas alguns minutos e depois são deitados fora, saem de lojas e mercados em quantidades centenas de vezes superiores a qualquer outra mercadoria. São o bem de consumo mais omnipresente em todo o mundo e é também o produto descartável mais difundido, o que não é coincidência.
Reciclamos sacos de plástico a um ritmo inferiro a 1%, e os sacos descartáveis constituem aproximadamente 4 milhões de toneladas de resíduos municipais dos EUA em 2006. Os sacos de plástico envenenam o ar ao serem queimados nos incineradores, ou libertam substâncias químicas prejudiciais nos aterros sanitários durante centenas de anos. A incongruência é que estes sacos, criados no intuito de serem descartáveis, são feitos de um material que foi concebido para durar imenso tempo. Os sacos não são os únicos produtos descartáveis que contêm plástico: consideremos as lâminas de barbear, talheres, escovas de lavar os dentes, garrafas de água, copos para café, canetas, pentes e assim sucessivamente. Visto que o plástico é  muito durável, todos estes objectos perduram durante centenas de anos.
Mil milhas ao largo da costa da Califórnia, em pleno Oceano Pacífico, existe uma amálgama de lixo à deriva com o dobro do tamanho dos EUA. Em pleno Oceano Pacífico, a mil milhas de distância do humano mais próximo, o plâncton, as medusas e os peixes são em menor número , numa proporção de 6 para 1, em relação aos sacos de plástico, garrafas de água e outros objectos de plástico descartáveis.
Só no Pacífico Norte, estima-se que 100 00 tartarugas marinhas e outros mamíferos, 1 milhão de aves marinhas e um nr incontável de peixes morram de fome todos os anos devido à obstrução dos tratos digestivos provocada pelo plástico. Entretanto, os produtos de plástico descartáveis à deriva que não provocam o sufocamento de animais marinhos decompõem-se lentamente com o sal e a luz solar até ficarem em suspensão na água. Os animais que se alimentam de plâncton devoram-nos, depois peixes maiores comem os mais pequenos, e adivinhem quem come os peixes maiores? Os restaurantes de sushi que preparam refeições para nós, adultos, e as fábricas de douradinhos que preparam as refeições das cantinas das escolas. Algo que tem início no 1º nível da cadeia alimentar, inevitavelmente acaba no último nível. No fim de contas, cada um de nós tem, no seu organismo, quantidades detectáveis de até uma centena de substâncias químicas de origem industrial de que nunca se tinha ouvido falar até há cerca de 50 anos. Muitos desses químicos são provenientes da produção e utilização da mesma porcaria de plástico descartável que enche os meus sacos.
Os sacos de plástico (e os de papel, que não são os melhores em termos ambientais) são algo pelo qual estamos dispostos  a ameaçar o habitat ao nível do planeta do qual todos dependemos em termos de saúde, felicidade e segurança? Em jeito de balanço, se tivermos de escolher (e eu acho que temos mesmo de escolher), preferiríamos ter um planeta a abarrotar de sacos de plástico e outras porcarias de plástico descartáveis, ou ter tartarugas no mar e crianças sem substâncias químicas?

*A criação de gado para a criação de terras de pasto e (acreditem ou não) as emanações repletas de metano provenientes dos sistemas digestivos dos ruminantes contribuem para 18% dos gases com efeito de estufa de todo o mundo , mais que o sector dos transportes completo. A lista de outros problemas para os quais a criaçãoi de gado contribui substancialmente (desde a poulição dos lençóis freáticos à chuva àcida) é interminável. Depois há os peixes. Li um artigo da edição de Novembro de 2006 da revista Science que revelava que até 2048, os oceanos estariam improfícuos sem qualquer hipótese de recuperação, caso as tendências perdurassem. Continuaria a haver a peixe, porém, num vasto e praticamente vazio oceano, os machos teriam imensa dificuldade em encontrar fêmeas para procriarem e o sector da pesca não conseguiria recuperar. Segundo o relatório, 29% do sector pesqueiro já havia sucumbido. A boa notícia é que esta tendência ainda é reversível. Uma abordagem consiste em comer exclusivamente peixe e marisco certificado pelo Conselho de Protecção Marinha.








segunda-feira, 16 de junho de 2014

A paternidade...

O  meu pai viajou imenso dos 20 e poucos anos aos 30 e poucos anos, foi mais de uma década de interrails de mais de 1 mês pela Europa fora, sob carris, em mil aventuras com o seu irmão.
Ele viu todos os países da Europa (menos Islândia) mais que uma vez....só a Paris foi 10 vezes. Era um jovem livre, aventureiro, desembaraçado, feliz. Mas depois, aconteceu uma tragédia e a aventura acabou abruptamente!
O que de tão mau aconteceu então? Uma coisa horrível, que todos metem na cabeça que têm de fazer e que os outros também têm de fazer: casar e procriar! (correcção, procriou 1º pois quando se casou a minha mãe já levava brinde).
Ao longo de toda a nossa vida ouvimos pessoas a dizer que o dia do nosso casamento e nascimento dos filhos será dos mais felizes das nossas vidas...eu acho isso um engodo, não para toda a gente, óbvio, resulta para algumas....mas regra geral depois disso, o pouco que resta da juventude de um adulto de 30 e tal anos vai-se apagando no meio de mudanças de fraldas, noites mal dormidas, obrigações familiares...até lidar com hiperativade de crianças curiosas e mais tarde adolescentes impossíveis e irritantes.
O que eu quero dizer, é que, sim, no início parece tudo muito bonito...mas com o tempo apaga-se toda a magia. Não tenho receios em dizer que a partir do casamento e dos filhos o índice de felicidade do meu pai foi decrescendo e decrescendo...até se estupidificar estupidamente num velho de quase 60 anos petrificado em frente de uma TV.
As únicas conversas que tem comigo são para embirrar comigo (o seu passa-tempo predilecto), e absorver como uma esponja as notícias de um mundo cruel, perigoso cheio de assassinos e violadores e criminosos que a TV mostra....pois ele já não vive, não viaja, apenas absorve "informação" de uma caixa falante...que lhe mostra um mundo perigoso, diferente daquele em que viveu...o mundo mudou, diz ele...mas há 20 e tal anos ele não tinha TV para saber das coisas más que aconteciam no Mundo (ou tinha TV mas havia a censura e etc)...e para além disso há 20 e tal anos que ele não vê o Mundo, diz que ele mudou, mas não o foi viver nem experimentar.
Casou-se, domesticou-se, habitou-se ao enfado da vida dos subúrbios, as mesmas rotinas, a mesma quinzena de férias do Algarve, na mesma praia, no mesmo canto da areia, o mesmo lugar para o estacionamento do carro, as mesmas conversas e discussões dia após dia...e arrastaram-me me com eles para esta vida normal e miserável da qual quero escapar, mas da qual só escaparei quando tiver a minha emancipação (leia-se dinheiro) e quando tiver o discernimento de não repetir a vida deles.
Sinto-me arrastada para dentro de um filme de 2ª categoria, sinto que estou a viver o mesmo dia todos os dias...é assim que é viver dentro de um casamento...porque embora sejam os nossos pais quem estão casados, os filhos também vivem esse casamento.
Tudo o que eu quero é ser como o meu pai foi, antes de ser pai, e tudo o que eu gostava era de conhecer a tal pessoa jovem aventureira, livre e feliz que ele foi...mas eu nunca conheci essa pessoa, porque em parte fui responsável pelo desaparecimento dessa pessoa....mas custa-me imenso olhar para o meu pai e ver o que ele é e imaginar o que ele foi...custa-me a crer que uma pessoa pode estar tão desgastada que perdeu a vontade de viver, porque para mim viver é viajar.
E pronto esta é a minha teoria de que jovem, quando te vires livre das amarras dos teus pais, não sigas o seu exemplo, isto é, não te tornes pai ou mãe....torna-te um dia muito tarde, ou não de todo, porque eu cada vez mais acredito que a maior parte das pessoas só vive antes de se enforcar em casamento e obrigações familiares.
Entre escolher a liberdade ou o amor, sei bem o que escolheria: o meu amor à liberdade.
E pronto isto foram os desabafos de uma filha que aprendeu que a pior coisa que me poderia acontecer na vida era ser mãe e consequentemente avó, e etc e etc...
Está aqui uma vez mais a minha tentativa absurda de tentar explicar às pessoas a minha vontade de não ser como elas.


sexta-feira, 28 de março de 2014

10 mil milhões

Eis um livro interessante escrito por Stephen Emmott sobre a explosão demográfica. Estes dados são reais e Stephen é um cientista que chefia a Ciência Computacional na Microsoft Research.

É um facto que o planeta Terra não tem meios de sustentar tanta gente, e os recursos estão mal distribuídos. Os seres humanos tornaram-se uma praga neste planeta, e como todas as pragas seguem um comportamento semelhante a um vírus consumindo todos os recursos existentes e destruindo o ambiente à sua volta até se extinguirem de vez.

Eis alguns dados interessantes do livro:

O planeta abriga milhões de espécies. Apenas uma o domina. Nós.

A espécie humana apareceu há cerca de 200 mil anos. De um ponto de vista geológico, é um acontecimento muitíssimo recente.

Há 10 mil anos éramos somente um milhão.

Por volta de 1800, há pouco mais de 200 anos, éramos mil milhões.

Por volta de 1960, há 50 anos, éramos 3 mil milhões.

Agora somos mais de 7 mil milhões.

Por volta de 2050, os seus filhos, ou os seus netos, viverão num planeta com pelos menos 9 mil milhões de pessoas.

Pelo final do século serão pelo menos 10 mil milhões, talvez mais.




sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Nós, filhos de nós mesmos

"As sociedades ocidentais estão cheias de velhos e de velhas. E tendem cada vez mais para estar. E por pirueta antropológica afirmam a juventude como valor primeiro. Os filhos não aparecem, as sociedades envelhecema olhos vistos e como que para esconjurar a nuvem negra que as cobre exaltam, lançam aos quatro ventos a imagem do que é jovem. Há aqui uma síndrome de Cronos invertida. Não, não comemos os nossos filhos, primeiro porque não os há, depois o que queremos mostrar é a nossa imagem como filhos de nós mesmos. A tentativa de rejuvenescer a todo o custo mais não é do que a manifestação serôdia e hipercomplexa de nos vermos, ou de os outros nos verem, como filhos, repito, de nós mesmos, o que é, no mínimo, bizarro. Compensamos, ou julgamos compensar através da imagem plastificada e irreal de uma construção do corpo fora do seu tempo aquilo que não se quis fazer com o real. Os filhos que não se quiseram espelham-se, agora, de maneira distorcida com as plásticas que reconstroem, esticando-o, um corpo velho. E vivemos nessa ilusão. E vende-se essa ilusão. E o que é mais dramático é que tudo se faz, não poucas vezes, acompanhado com a fanfarra, se bem comedida e sóbria, "comme il faut" dos bem-pensantes.
Mas olhemos, com olhos de ver, a solidão que a velhice traz. Olhemos para a solidão que se cola, como segunda pele, à velhice. As motivações para escrever são sempre múltiplas e difíceis de descortinar. Todavia, saber porque estou, hoje, a escrever sobre a velhice e muito particularmente sobre a solidão na e da velhice tem uma explicação comezinha. Veio-me à memória a visita que há tantos anos fiz - como o tempo passa - a uma pessoa que muito estimava e que tinha perto, então, de 90 anos. Vivia sozinha. E estava só. Mais do que estar só, vivia rodeada de solidão. De uma solidão densa, forte, pegajosa, que me deixou, na altura, virado do avesso. Não é de meu natural deixar-me emocionar para lá do razoável. Porém, daquela vez parece que aconteceu.Não tanto pela circunstância mas sobretudo pela condição de vergonha que senti. O que me invadiu não foi a condição de solidão da pessoa que estava ali comigo a falar lucidamente. O que me envergonhou foram as minhas omissões. As minhas não idas,a s minhas ausências, quando podia e devia ter ido. Não, não vale, é batota, querer neutralizar este sentimento com as batidas e sempre "politicamente correctas" justificações: "que não há tempo"; "esta vida frenética não nos deixa fazer aquilo que devíamos fazer"; "irei lá para a semana",etc,etc. Sejamos honestos: tudo isto são balelas, formas cínicas e para mais quase infantis de nos querermos autojustificar. O tempo, aquele pedacinho de tempo, mínimo, ridiculamente mínimo, arranja-se sempre que tivermos para isso vontade. Depois há partilha, não de uma qualquer "bondadezinha" que se deixou escorregar ali para satisfação da nossa boa consciência, há a partilha da fala, dos vincos e das rugas do tempo, do riso, da autonomia, do saber, da graça, das histórias que quem é velho sempre nos entrega em bandeja de prata. E nós, estúpidos, crentes unicamente no universo daquilo que é jovem. não temos a grandeza nem a nobreza de percebermos, de sequer percebermos, o que perdermos. Nem sequer percebemos, mesmo egoisticamente, que a solidão de que fugimos mais cedo ou mais tarde nos vai apanhar em qualquer esquina. Como é possível não sabermos crescer, jovial e "velhamente"."

José Faria Costa na crónica "razão imperfeita", do jornal i de 10/Abril/2013