quarta-feira, 17 de abril de 2013

Eles também morrem

Foi o dinheiro dos outros, da sociedade que disse não existir, que pagou o seu funeral faraónico de 12 milhões de euros....


"O imperador romano Adriano, construtor de um império vastíssimo e autor da famosa muralha de Adriano na Britânia, foi um dos homens mais poderosos que alguma vez existira. Toda a vida conjugou a acção com uma reflexão sobre o poder, a natureza dos homens e a morte - fosse a morte dos soldados inimigos e das populações vencidas, fosse a dos soldados inimigos e das populações vencidas, fosse a morte dos soldados inimigos e das populações vencidas, fosse a dos seus próximos e mais amados, fosse a sua própria morte. Quis ele próprio, aliás, decidir da sua própria morte- porém, nenhum dos seus próximos quis cumprir a ordem de o matar e, assim, permitir-lhe chegar dignamente ao seu fim, como era admissível naqueles tempos.
O livro de Marguerite Yourcenar sobre Adriano é pródigo em testemunhos desta relação do imperador com a morte - encarada como um limite que, impondo uma finitude à vida, permitia a imortalidade, caso as acções tivessem sido justas e disso merecedoras. A justiça de uma vida continha a ideia de construção: "Construir é colaborar com a terra: é colocar uma marca humana sobre uma paisagem que assim será para sempre modificada; é contribuir também para esta modificação lenta que é a vida das cidades. Quantos cuidados para encontrar o lugar exacto de um ponto ou de uma fonte, para dar forma a um caminho de montanha, aquela curva mais económica que no mesmo tempo se revela a mais pura...", escreveu Yourcenar nas suas Memórias de Adriano (1951).
Marco Aurélio, outro imperador atraído pela doutrina estóica, escreveu nos seus Pensamentos: "Ainda que devesses viver três vezes mil anos e mesmo outro tanto dez mil vezes, lembra-te sempre que ninguém perde outra existências e não a que vive e que não vive a que perde."
A nenhum destes homens, ambos detentores de um extraordinário poder, interessou alcançar a imortalidade pela manutenção e o uso do poder. O poder que têm é um instrumento de acção para e pelo bem comum, e neste ciclo inclui o bem da natureza a que se pertence.
Claro que são hoje exemplos clássicos; claro que eram outros os tempos e as condições da História; claro que cometeram muitas injustiças; claro que o exercício do poder suponha outras condições, mas também eram os outros os limites e o outros os riscos, entre os quais o de ser assassinado.
Não é o caso dos governantes de hoje, entre os quais os nosso governantes europeus, para aquém o poder e manutenção do poder são fins em si. Impreparados para agir com a humanidade e com a natureza, ignorantes, irreflectidos, muito cedo se alheiam dos seus compatriotas -dos governados e, até, dos que os elegeram - e cedo passam a enfermar do narcisismo patológico do poder. 
Não é necessário explicar muito: motoristas à disposição, percursos de casa ao avião  sem passar pelos controlos e e sem se misturarem com as multidões, a possibilidade de dar ordens sem contestação dos  súbditos mais directos, a dispensa de pagar as contas, de contar o dinheiro, os trocos, de fazer uma reserva de bilhetes, de hotel, de restaurante, enfim, o luxo dos séquitos, todas as facilidades que o poder traz consigo provocam nestes governantes sem lastro nem história a sensação que são imortais. 
Infelizmente, parece que viver neste limbo de conforto, com amnésia do que é ser-se um ser comum, leva à perda da compaixão. Leva também, por outro lado, a evitar ou a fintar o medo, o que, curiosamente, revela alguma cautela perante a morte. 
[..]Estes nossos governantes parecem ter abandonado a humanidade que inegavelmente fazem parte, pois não só deixaram de ouvir os que representam como se negam a agir por esses representados e para eles, como se estivessem já colocados no padrão inalterável da imortalidade.
Não podemos limitar a grandeza de ser e de agir apenas aos antigos e aos clássicos. Também entre estes houve facínoras e ditadores. E nem todo o mal da humanidade ou de um povo decorre apenas da acção voluntária de um governante. 
Contudo, todas as circunstâncias do poder são circuntâncias de adversidade, e o que distingue os bons dos maus governantes é uma diferença radical no uso e nos instrumentos do poder. Onde uns - os bons governantes - cuidam dos governados, aos outros - os maus governantes - apenas interessa a manutenção do seu próprio poder, encenada ora com mais pompa, ora com mais mau gosto, mais anafada.
O invés de exaltarem a alegria, os nossos maus governantes exaltam o sofrimento, apelam ao sacrifício e regozijam com ele- e, na sua perversidade máxima, declaram entender a tristeza e condenam a alegria.
Nessa encenação grosseira do poder já sentem e se convencem de que não estão sujeitos a um fim. Parece que já ultrapassaram a morte, não pelo construíram, não pelas acções para o bem comum, não porque a justiça dos seus actos seja tão exemplar que os torne imortais, mas porque, uma vez imortais, são impunes. E se, por vezes, ainda podem ser acometidos pelo medo, negam-no - e assim negam essa pequena parcela que era o seu último reduto de humanidade. 
Há aquela canção do Arnaldo Antunes: "Saiba/Todo o mundo vai morrer/ Presidente, general ou rei/ Anglo-saxão ou muçulmano/Todo e qualquer ser humano(..)".

António Pinto Ribeiro in jornal ípsilon (data certa não sei, mas foi em Abril de 2013)
(escrito antes da morte de Thatcher, e estava ilustrado com uma foto de Merkel e Passos Coelho, no entanto achei adequado dedicar este texto a Thatcher...um dia também será a vez de Merkel como foi a vez de Lenine, Estaline, Hitler, Pinochet, Salazar...e de todos nós...porque eles, os poderosos são no fundo humanos como todos...e muitos deles apenas um desperdício de vida que leva os outros e perder a sua qualidade de vida...  ).