"O país que fabricou a maior bolha bancária de sempre é agora visto como um caso de sucesso e um motivo de inspiração para quem se opõe à austeridade. Os progressos são reais mas, para muitos islandeses, a recuperação não trouxe melhorias concretas - nem apagou o ressentimento."
Antes da crise, em 2006, a Islândia foi considerada o país mais feliz do mundo e antes da crise, em 2008, sempre esteve no ranking de países menos corruptos do mundo, era um dos países mais prósperos e ricos sendo que em 2007 o rendimento médio da Islândia era o quinto maior do Mundo (160 dos EUA). No entanto em 2008 o país mais rico do mundo ficou com os cofres vazios, assim de repente, e a Islândia enfrentava o risco de bancarrota.Depois, como é sabido a Islândia recusou-se a impôr o pagamento das dívidas dos seus grandes bancos- que eram dez vezes maiores que a sua economia aos cidadãos e entrou mesmo em incumprimento.
"O livro que os islandeses mais leram desde 2010, está em todas as casas ao lado das sagas nórdicas, é um relatório de auditoria. Nele está narrado o fio de acontecimentos que levou um país isolado, com menos pessoas do que o distrito de Viseu (300 mil habitantes) e dependente de negócios como a pesca, a fabricar a maior bolha bancária da História. O resultado da auditoria pública à gestão bancária e à conduta política foi publicado em oito volumes, incluindo um resumo das conclusões, em linguagem para leigos. Foi colocado nas livrarias com o preço simbólico de 100 coroas (60 cêntimos) O impacto da auditoria na opinião pública, combinado com o da crise, foi devastador. Nos livros está a concentração de interesses entre os banqueiros que arruinaram o país e o poder político, a gestão criminosa do risco, a dimensão da loucura de uma era em que bilionários instantâneos pagavam milhões a Elton John para cantar em festas.
"Depois de lermos começámos a perguntar como é possível dizer que a Islândia é um país bem classificado nos rankings de corrupção-nós vivemos no país mais corrupto da Europa", acusa Gudrun Ingvarsdóttir uma arquitecta islandesa.
Passados três anos e meio do colapso da bolha financeira, a Islândia parece ser um caso de sucesso e um motivo de inspiração para a Europa em crise. Depois do afundamento de 10% entre 2008 e 2010, a economia cresceu 2,5% em 2011 e deverá expandir outro tanto este ano, puxada pelo turismo e pelas exportações. A agência de notação financeira Fitch tirou a dívida pública islandesa do nível "lixo"- onde está a portuguesa - e o país, que já voltou aos mercados da dívida anunciou em Março o pagamento de 340 milhões de euros ao FMI. A taxa de desemprego caiu para 7%, menos de metade da registadas em Portugal. O programa do FMI acabou em Agosto e os técnicos falam em tom cândido das 2lições" que aprenderam na Islândia. O governo escolheu um rumo pouco ortodoxo. Ao contrário do que fizeram os governos dos Estados Unidos, do Reino Unido ou da Irlanda, a Islândia deixou cair os bancos e os credores externos.
Em Reiquiavique os cafés, restaurantes e bares estão cheios de turistas atraídos pela desvalorização de 50% da coroa e não há pessoas a pedir nas ruas.
Mas sob a superfície, há uma grande dose de ressentimento e de desconfiança na sociedade islandesa.
"Percebo que no contexto europeu queiram tornar este país um símbolo de esperança na democracia, mas garanto que não é o que sentem as pessoas que vivem aqui" desabafa Anna Sorensen, islandesa.
Uma sondagem recente, publicada pela Reuters, parece confirmar o sentimento, apesar da recuperação económica, o parlamento merece o voto de confiança de apenas 10% dos inquiridos. Em Reiqueavique, só os banqueiros têm pior reputação que os políticos.
O julgamento do ex-primeiro-ministro Geir Hararde, é visto pelo governo actual como um primeiro passo para a reconciliação. A Islândia foi o único país a julgar um rum responsável político por negligência da crise financeira mas Haarde foi absolvido das acusações mais graves (que dariam um máximo de dois anos de prisão), mas condenado por não ter dedicado mais atenção aos sinais óbvios nos meses anteriores à crise. A justiça tem mais acusações formalizadas contra alguns banqueiros.
O país está a crescer pelo segundo ano consecutivo mas as famílias estão a passar dificuldades, sobrecarregadas com os empréstimos para a habitação e com a redução entre 20% a 30% do poder de compra. O "fim da crise" a um nível mais institucional não significa o fim da crise para as pessoas. A desvalorização de 50% da coroa que ajuda as exportações (e está a motivar uma onda de novos negócios) é a mesma que, numa ilha que importa muito do que consome, faz disparar a inflacção para mais de 20% logo em 2009.
O ressentimento poderá aumentar à medida que as pessoas se forem apercebendo de uma realidade mais ou menos oculta: apesar de os islandeses terem decidido por duas vezes em referendo não pagar o fundo de garantia de depósitos aos credores estrangeiros, o país acabará por pagar. Na realidade já estão a caminho de pagar 30%
Os governos da Holanda e Reino Unido pagaram o fundo de garantia aos seus cidfadãos que abriram contas online no Landsbanki islandês, transformando uma dívida privada de 4 mil milhões de euros em dívida entre países. Uma condenação poderia poderia levar os governos britânicos e holandês a pedirem nos tribunais da islândia o pagamento de juros e de uma penalização adicional que pode ir até 10%.
"A decisão dos referendos [que rejeitaram duas propostas de negociação] foram um risco, uma aposta de que ainda não sabemos o resultado" , assume o ministro islandês do Estado Social.
Pelo menos, a Islândia teve a coragem de deixar cair os bancos criminosamente geridos, juntamente com os credores, certo? "Nós não escolhemos, foi uma questão de força maio", responde o ministro." Os bancos cresceram até serem dez vezes maiores que a nossa pequena economia - era impossível resgatá-los" explica. O "too big to fail", o lema atrás da salvação dos bancos dos EUA e Irlanda, deu lugar na Islândia ao "too big to save".
Ao todo a Islândia cortou 7% em educação e 17% em saúde mas mesmo assim o governo conseguiu negociar com o FMI a expansão do subsídio de desemprego de 3 para 4 anos e o aumento dos apoios sociais para os grupos mais fragilizados Para compensar, aumentou os impostos para a classe média, os mais ricos, as empresas e os bancos. A taxa de pobreza manteve-se das mais baixas da Europa.
Os islandeses estão a pagar um preço alto- não há ajustamentos fáceis-mas a sociedade é mais igualitária e rica que, por exemplo, a portuguesa. O nível salarial médio para trabalhadores não qualificados é de 1500 euros e o subsídio de desemprego mínimo de 1100 euros. "
Fonte jornal i nr 993 de 28/29 de Abril de 2012
Reportagem da Revista do Jornal Expresso de 5 de Maio de 2012: "A Ressaca Islandesa", por Daniel de Oliveira
Apesar de isolados e agora em crise profunda apenas 17% dos islandeses defende a adesão à União Europeia.
Após a bolha ter rebentado e o país ter ficado na bancarrota o novo governo eleito preparava-se para, como os restantes, pagar a sua conta,mas o presidente Olaf Grimsson fez o impensável: marcou um referendo. E nunca um político pareceu tão isolado como então: "todos os governos europeus, todas as instituições financeiras e quase todas as forças com poder no meu próprio país, incluindo o governo e a maioria parlamentar estavam contra a minha decisão". Os avisos vieram: "ficaríamos isolados durante décadas, seríamos a Cuba do Norte. Nunca mais ninguém quereria fazer negócios connosco. Nada disso aconteceu. Três anos depois da crise estamos no caminho da recuperação.
Por isso, só o presidente Grimsson escapa ao descontentamento geral com os políticos, foi ele que optou por referendar salvar a banca ou não. Grimsson estava determinado: "Não vamos ter um sistema onde os bancos podem funcionar como querem. Se tiverem sucesso, os banqueiros recebem enormes bónus e os seus accionistas recebem o lucro mas se falharem a conta será entregue aos contribuintes. Porque serão os bancos tão sagrados para lhes darmos mais garantias do Estado do que qualquer outra empresa?"
Os islandeses foram votar e nem o establishment político teve coragem de enfrentar a fúria popular. O resultado foi esmagador: 98 votaram "NÃO".Nascia assim o perigoso exemplo islandês. Como reacção o Reino Unido aplicou uma lei antiterrorista para acabar com todas as transacções com a Islândia pondo-a numa infame lista, ao lado da Al-Qaeda.
Apesar dos dramas de milhares de famílias endividadas, o desemprego anda próximo de 7%, alto para a Islândia mas muito baixo para a generalidade dos países em crise [15% em Portugal, 24% Espanha, Grécia 22%, 10% França]. O crescimento do ano passado foi de 3%, o deste ano andará pelos 2,5%. O FMI já se foi embora com contas fechadas e mais nada para fazer.
Apesar de aos bancos sobrarem casas (já ficaram com cerca de 3 mil) não arrendam mais barato, nem vendem, para não fazer cair o preço e perderem assim o valor do seu património. Como a procura aumentou, arrendar é ainda mais caro. A solução? vão, como muitos, para a Noruega.
"É verdade que muita gente gastou dinheiro que não tinha", diz Sveinn um islandês, "mas a maioria foi enganada porque a mensagem que os bancos passavam para oda a gente era: GASTEM!".
Concluindo, a Islândia foi dos poucos países a recusar-se a pagar com dinheiro dos contribuintes a dívida de um banco. Um ex-primeiro ministro foi julgado e vários outros responsáveis também aguardam julgamento. O desemprego está abaixo da maioria dos países atingidos pela crise e tem um crescimento económico acima dos restantes países europeus. O FMI já se foi embora e o Estado Social foi, no essencial, poupado. Tudo isto, três anos depois de a Islândia ter vivido a maior crise financeira de que há memória no mundo ocidental.